Água do subsolo possui concentração de cromo

A água do subsolo de 12 municípios da região de Rio Preto esconde um perigo à saúde humana. Técnicos da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), da Sabesp e da USP constataram no lençol freático dessas cidades uma concentração de cromo, metal cancerígeno, acima do limite máximo recomendado pelo Ministério da Saúde. Essa água faz parte do aquífero Bauru.

Para contornar o problema, as empresas de abastecimento tiveram de lacrar poços e investir em técnicas de tratamento para diminuir a concentração da substância. O problema está nos poços semiartesianos clandestinos, que utilizam a água sem qualquer tratamento. Os 12 municípios, incluindo Mirassol e Potirendaba, além de cidades da microrregião de Jales, têm ao menos 250 poços semiartesianos sem registro no poder público, conforme estimativa das prefeituras.

“É um risco à saúde porque esses consumidores não sabem o que tem na água que bebem”, afirma a técnica da Cetesb em Rio Preto, Maria Cecília da Costa Martins. Em Urânia, pesquisadores do Instituto de Geociências da USP constataram até 0,14 miligrama de cromo hexavalente para cada litro d’água, quase três vezes o limite máximo preconizado pelo Ministério da Saúde, que é de 0,05 miligrama por litro. A origem da contaminação, concluíram os técnicos, é natural.

Se consumido diariamente a médio e longo prazos, o cromo hexavalente pode causar câncer no sistema gastrointestinal, segundo o químico ambiental da Unesp Homero Marques Gomes. “Não há efeito imediato no organismo, como dores abdominais, mas é possível que o indivíduo desenvolva tumores no esôfago, estômago ou intestino se houver uso prolongado do produto.”

Não há pesquisas científicas que vinculem o cromo na água aos casos de tumores malignos registrados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) nos 12 municípios. “Ainda não é possível fazer essa relação”, ressalva o geólogo da USP Reginaldo Bertolo, que coordenou a pesquisa. Mas as 29 mortes por câncer - sete delas por tumores no sistema gastrointestinal - registradas em Urânia desde 2004 intrigam o secretário de Saúde local, José Rubens Gitti. “Para uma cidade de 9 mil habitantes, são muitos casos. Mas não sei se é pela água dos poços particulares”, diz.

A prefeitura local estima que haja 50 poços semiartesianos no município, 30 deles irregulares, a maioria na área rural, onde vivem 1.359 pessoas. “Vamos iniciar uma campanha educativa na cidade para que os moradores da zona rural comprem galões d’água ou peguem na Sabesp em vez de consumir desses poços”, afirma o secretário.

Costume

Difícil é convencer os moradores. Há 15 anos o aposentado Osvaldo Bocchi, 72 anos, perfurou um poço semiartesiano no quintal de casa, encostado na cidade. Ele até recebe a água da rede de distribuição urbana, mas só usa quando ocorre algum problema com o poço. “A água da cidade tem gosto ruim, prefiro a do poço.” Segundo ele, todos os moradores da vizinhança pegam água no local. “Eu e minha família nunca tivemos problema por causa da água.”

O mesmo garante o também aposentado Antonio Vila, 71 anos. Quando comprou a chácara encravada na cidade, há 12 anos, decidiu construir o poço de 60 metros de profundidade. “A água é muito boa, tem gosto meio doce, é pura. Como sou do sítio, me acostumei com essa água.” O Daee (Departamento de Águas e Energia Elétrica) diz conhecer o problema dos poços clandestinos, mas alega ter pouca estrutura de fiscalização. “Nossa região é muito grande, são 89 municípios”, diz o diretor regional do órgão, Tokio Hirata.

Caso os fiscais do Daee constatem um poço sem outorga, dão prazo de 60 dias para regularizar a situação. Caso contrário, o proprietário é multado em R$ 3,26 mil. “As empresas de perfuração só deveriam fazer esse trabalho mediante outorga, mas nem sempre isso acontece”, diz a técnica da Cetesb.

Causa da contaminação é geológica, dizem pesquisadores
Pesquisadores do Instituto de Geociências da USP constataram que a alta concentração de cromo hexavalente na água do aquífero Bauru em Urânia é causada por um fenômeno natural muito raro. A análise do solo e da água feita em dois poços do município levou os técnicos a concluírem que são dois os fatores responsáveis pela presença do metal no lençol freático.

O primeiro deles é a presença do mineral diopsídio no arenito, solo predominante no oeste paulista. O diopsídio se originou de rochas vulcânicas muito alcalinas do Triângulo Mineiro que se deslocou até a região, que era desértica na época. Conforme o coordenador da pesquisa, Reginaldo Bertolo, o mineral só existe porque não havia água na região, o que provocaria a transformação do diopsídio em outros metais.

O segundo fator é a característica da água do subsolo, muito alcalina.O pH da água em profundidades como 80 e 90 metros varia entre 8,5 e 10,7 em Urânia, quando o normal seria entre 5,5 e 8,5. O pH é alto devido à presença de carbonato de cálcio, oxigênio e óxido de manganês. Tanto o Ph elevado quanto o mineral fazem com que o cromo hexavalente se dilua com facilidade na água. Casos parecidos foram registrados em regiões de clima mais árido e com rochas muito específicas, nos Estados Unidos, Itália e Austrália.


O cromo, segundo Bertolo, pode ser encontrado em dois dos três poços comuns da região: o profundo e o semiartesiano. Somente as cisternas, de menor profundidade, até 25 metros, estão livres do problema. Mas essas são cada vez mais raras na região, devido ao barateamento do custo de perfuração dos semiartesianos, cuja profundidade vai de 40 a 70 metros: R$ 4 mil, em média.

Para evitar riscos à saúde, os pesquisadores da USP sugerem que, antes de perfurar um poço na região, o proprietário faça uma análise geológica da presença de sódio no solo. Isso porque a presença do cromo hexavalente na água está associada à alta concentração do sódio.

Curtume
Embora a contaminação da água subterrânea na região pelo cromo tenha origem natural, Bertolo não descarta possível contaminação humana, principalmente pelos curtumes, que utilizam o cromo no processamento industrial do couro. “Existe a possibilidade de que isso (contaminação do lençol freático por curtumes) esteja acontecendo”, diz. A região de Rio Preto tem pelo menos quatro curtumes.

Sabesp construiu dutos

Para contornar o problema do cromo na água subterrânea do Noroeste Paulista, a Sabesp investiu R$ 3 milhões nos últimos 15 anos, tanto na construção de dutos para “importar” a água de cidades vizinhas quanto em tecnologia para a retirada ou diluição do metal. A maior obra foi feita em 1996: a construção de um duto de 20 quilômetros ao longo da rodovia Euclides da Cunha (SP-320) levando a água retirada diretamente do aquífero Guarani em Jales até Urânia e Santa Salete. Com isso, os dez poços que captaram água do aquífero Bauru nas duas cidades foram desativados - três deles foram lacrados. “Era uma obra mais viável do que perfurar um poço profundo em Urânia, nos moldes do de Jales”, diz o superintendente regional da Sabesp, Luiz Paulo de Almeida Neto.

A mesma tecnologia foi empregada em Dolcinópolis, cuja água vem de Paranapuã por uma adutora de 11 quilômetros, e Marinópolis, que “importa” água de Palmeida d’Oeste por um duto de sete quilômetros. Nesse último caso, a Sabesp chegou a implantar um sistema de desmineralização da água semelhante ao utilizado em áreas desérticas, onde a água vem do oceano, caso de vários países árabes. Devido ao alto custo, porém, a tecnologia foi substituída pelos dutos.

Em Dirce Reis, a água que abastece a cidade continua sendo captada pelos poços do Bauru, mas no processo de tratamento é adicionado cloreto férrico para a remoção do cromo hexavalente. No caso de Sud Mennucci e General Salgado, a água dos poços onde a concentração de cromo está acima do limite é diluída no líquido dos demais poços. “Para cada lugar, tivemos de pensar em uma solução diferente”, disse o superintendente.

A assessoria da Sanessol, responsável pelo abastecimento de Mirassol, informou que todas as medições recentes nos 36 poços de captação apresentam concentração de cromo hexavalente abaixo do limite estabelecido pelo Ministério da Saúde. O coordenador do Serviço de Água e Esgoto de Potirendaba (Saep), Paulo Roberto Manzano Garcia, desconhece as análises da Cetesb. Segundo ele, desde que está à frente da administração da Saep não há irregularidades. “Fazemos análises regulares e nunca houve constatação de qualquer problema na água por parte do laboratório.” As amostras são encaminhadas ao laboratório PA Análises Químicas, de Rio Preto.

Água de bairro tem elemento
Em setembro do ano passado, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) constatou a contaminação por metal pesado cromo na água do poço Gonzaga de Campos, em Rio Preto. O poço abastecia 5 mil rio-pretenses, moradores dos bairros Gonzaga de Campos e São José Operário. A taxa de contaminação foi de 0,09 mg/l (miligrama por litro), quase o dobro do máximo permitido para consumo humano.

De acordo com o Serviço Municipal de Água e Esgoto (Semae), desde a constatação, o poço foi paralisado e não é mais utilizado para abastecimento. O local continua sendo monitorado pelo Semae, Vigilância Sanitária, Departamento de Água e Energia Elétrica (Daee) e Cetesb. Ainda de acordo com o órgão, desde que foi levantada a suspeita de contaminação do poço, foram tomadas as providências necessárias para garantir o padrão de potabilidade da água distribuída à população. O abastecimento é feito, atualmente, através do sistema Boa Vista.

A assessoria de Saúde colocou a Unidade Básica de Saúde da Família do Gonzaga de Campos para monitorar possíveis casos de contaminação. Até sexta-feira, não houve qualquer caso suspeito. A contaminação foi descoberta devido a um defeito na bomba do poço que abastecia a região. O Semae desmontou a peça para conserto e decidiu realizar um exame preliminar. A última análise completa da água havia sido realizada em abril e nenhuma alteração foi detectada na época.

Mais sobre o tema: "Água de rios da região é a pior do Estado e a região tem a menor cobertura do Estado (bacia do Turvo/Grande tem apenas 3,91% da área total ainda coberta com vegetação nativa, o segundo menor índice, atrás apenas da bacia do rio São José dos Dourados, onde o índice de cobertura nativa é de 2,79%)", "Rio Turvo se recupera em meio à poluição" e "Só 5 cidades da região ganham ‘selo’ verde".

Comentários

  1. Poço artesiano o que é? aprendi aqui, muito bom, Valeu mesmo, me ajudou a encontrar o que procurava, obrigada

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