MBA DE ESCOLAS TRADICIONAIS VIVEM CRISE DE IDENTIDADE

Com ex-alunos no topo de órgãos reguladores e de empresas afetadas pela crise, Harvard revê educação para a gestão de empresas, Pesquisadores começam debate sobre como "consertar" as escolas de administração

Por DELLA BRADSHAW, do "FINANCIAL TIMES"

Um ano faz toda a diferença.
Em 8 de abril de 2008, a escola de administração de empresas da Universidade Harvard estava trombeteando os cem triunfantes anos do seu curso de MBA. Passados 12 meses, publicou um estudo introspectivo que questiona seu papel no sistema educacional e deu início a um debate online cujo tema é "como consertar as escolas de administração de empresas".
Harvard não foi a única. Em reunião da AACSB, organização que credencia os cursos de administração de empresas americanos, muitos professores dos EUA declararam que, na verdade, sempre foram socialistas. Um participante descreveu o encontro como "uma espécie de sessão de terapia para os diretores de cursos de administração nos EUA".
As opiniões sobre a possível culpa das escolas pelo colapso econômico variam entre os dois extremos, da mesma maneira que as receitas sobre como reconquistar a confiança das empresas e dos estudantes.
Richard Cosier, presidente do conselho da AACSB e diretor da escola Krannert de administração de empresas, na Universidade Purdue, representa um dos extremos do espectro.
Segundo ele, cobiça e práticas de empréstimo antiéticas foram causa do problema, e as escolas de administração de empresas não têm a ver com isso. Alegar que as escolas não deveriam ensinar modelos financeiros complexos é errôneo, afirma. "É como dizer que não se deve ensinar química porque isso poderia causar explosões."
Embora haja quem acredite que as escolas poderiam continuar sem mudanças, algumas introduziram currículos novos ou revisaram matérias obrigatórias e optativas. Harvard foi uma das primeiras a tomar providências, desta vez, em companhia do Insead, na França, lançando programas executivos para considerar as questões que as empresas precisam começar a encarar.
Na escola de administração da Universidade Stanford, o professor veterano Garth Saloner acredita que tanto os métodos pedagógicos quanto o conteúdo devem mudar. Saloner foi o principal responsável pelo novo modelo de MBA adotado em Stanford, sob o qual os novos estudantes trabalham em pequenos grupos para discutir questões de negócios. O objetivo é "preparar os estudantes para pensar de forma crítica sobre as questões que as empresas enfrentam".
Outros observadores acreditam que o problema seja mais profundo, sistêmico. Dipak Jain, que está deixando seu posto como diretor da escola de administração Kellogg, na Universidade Northwestern, diz que os dez a 15 anos de crescimento econômico pelos quais acabamos de passar acarretaram um custo. "Os alunos se preocupavam demais com faturar e pouco com aprender. É preciso que haja uma correção nos salários dos profissionais que detêm um MBA."
Saloner desconsidera a ideia de que o novo programa de MBA de Stanford, que tem duração de dois anos, será caro demais para atrair os melhores alunos, mas Jain argumenta que o custo será um fator importante em muitas escolas.
Mas nem essas mudanças parecem suficientes para alguns dos críticos. Henry Mintzberg, professor de administração na Universidade McGill, do Canadá, e no Insead, na França e em Cingapura, é crítico antigo do modelo de MBA adotado nas universidades.
Ele argumenta que o método de estudos de caso, introduzido por Harvard, ensina um processo decisório que é inapropriado para os alunos mais jovens, os quais respondem por proporção cada vez maior dos quadros discentes nos cursos de MBA norte-americanos.
Peter Tufano, professor de finanças em Harvard, diz que o método dos estudos de caso e seu papel no "desenvolvimento de alunos "arrogantes'" foi uma das preocupações expressas pelo corpo docente de Harvard nos meses de estudo sobre as deficiências do programa.
Harvard representa um alvo fácil para aqueles que consideram que é necessário culpar as escolas de administração de empresas e seus formandos pelo colapso financeiro.
Mas até mesmo os mais aristocráticos dos dirigentes de Harvard devem ter se sentido horrorizados diante do número de ex-alunos da universidade que ocupavam postos cruciais enquanto a crise se desenrolava: Hank Paulson, ex-secretário do Tesouro norte-americano; Christopher Cox, antigo presidente da Securities and Exchange Commission (que regulamenta o mercado de valores mobiliários); Stan O'Neal e John Tahin, os dois últimos presidentes do Merrill Lynch; e, na Europa, Andy Hornby, ex-presidente executivo do HBOS. Philip Delves-Broughton, que fez seu MBA em Harvard e se tornou crítico da universidade, considera que mudanças dramáticas sejam necessárias.
"Eles [Harvard] estão tentando vender um Hummer quando o que todo mundo deseja é um Fiat Cinquecento", afirma.
Mintzberg vai além, ao argumentar que a inovação na educação para a gestão hoje vem da Europa, e não dos EUA. "As escolas americanas não criam profissionais de gestão, criam arrogância insensata. E não mudarão sem que sejam forçadas a tanto. As escolas de administração de empresas norte-americanas vêm sendo carregadas por uma forte onda e, caso não terminem falidas ou sem aluno algum, não mudarão."

Tradução de PAULO MIGLIACCI, Folha de São Paulo, 19 de julho de 2009, p.B.8. Caderno Dinheiro.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi1907200916.htm

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