Riscos pela Sustentabilidade

Sonia Consiglio Favaretto é Colunista de Plurale (*)

Sei que vou correr alguns riscos ao escrever este artigo. Mas, afinal, um espaço como este não é necessariamente para mostrar certezas e verdades absolutas. Antes de mais nada, se presta a colaborar na disseminação e compartilhamento de reflexões, pensamentos, dúvidas até.

Sendo assim, vamos lá.

Nas palestras que faço, invariavelmente a abordagem do marketing à sustentabilidade é assunto presente. Confesso que tenho certa frustração em relação à forma como estes profissionais vêm lidando com o tema. Frustração no bom sentido, pois entendo que os “marqueteiros” (para usar um termo que pessoalmente não acho muito elogioso, mas que caiu no uso corrente) têm um papel muito importante no movimento de clarificação do que é, afinal, esta tal de sustentabilidade e de como ela pode e deve permear o tratamento dos produtos e marcas.

A reflexão que quero compartilhar com vocês vem, não só de minha observação, mas também de muitas conversas com estes profissionais, afinal, somos colegas na nossa matéria macro chamada Comunicação.

Para poder falar de qualquer assunto, nos baseamos nos nossos conceitos, premissas, aprendizados. Recorro, assim, à minha profissão, Jornalismo, para comparar como estes dois segmentos trabalham a sustentabilidade.

Ao meu ver, os jornalistas estão mais avançados no entendimento, tratamento e aplicação dos conceitos e práticas relacionados ao tema. Vejo os marqueteiros mais erráticos, com abordagens que variam bastante, algumas muito próximas do que de fato deveria ser o tratamento a aproachs completamente equivocados.

Para mim, isso pode ser explicado, em parte, na raiz de cada profissão. Venha comigo: nós, jornalistas, aprendemos no banco da faculdade (sei que após a extinção da obrigatoriedade do nosso diploma este não será necessariamente o meio de aprendizado, mas para mim foi completamente útil e, sempre que puder, irei externar meu inconformismo com esta decisão) que a base de nossa atividade é o questionamento. É perguntar, ouvir os dois lados, inquirir. Montar uma boa história e contá-la, da forma mais fidedigna possível. Está na nossa raiz, no nosso sangue.

Ao longo de minha profissão, nas várias reportagens que fiz, sempre me abstive de me posicionar, por mais que concordasse ou discordasse de meu entrevistado. Isso, claro, poderia ocorrer como recurso de reportagem, mas jamais como colocação própria. O bom jornalista mais ouve do que fala.

Pois é, e o profissional de marketing? Correndo o risco de ser pouco profunda, mas com grande dose de certeza, vejo que nossos colegas foram formados justamente em outra direção. É o mercado que os guia, a venda, o convencimento. É claro que há uma escuta, mas ela está a serviço da formação de argumentos para se sobressair à concorrência.

Ora, estes dois ângulos explicam, ao meu ver, o tratamento da sustentabilidade pelo jornalismo e pelo marketing. O primeiro está cada vez mais se aprofundando, querendo saber as novidades, entendendo se o ângulo está correto frente às tendências, à Academia, às pesquisas. Quer acertar 100% nas palavras, nos fatos. O segundo usa da sustentabilidade para diferenciar seu cliente, seu produto, sua marca. É permitida, aqui – como bem sabemos – alguma dose de exagero ou até incorreção. E não que isso seja má fé. Quando vemos anúncios assassinando, nem que seja sutilmente, a língua portuguesa, sabemos que o redator teve que fazer uma escolha entre a língua culta e a língua das ruas, do mercado, do seu público. Se isso é aceitável, cabe a cada um e ao juiz máximo, o cliente, decidir.

Como nada na vida pode ser radical, correndo o risco de deixar de fora do campo de visão grandes presentes, tanto jornalistas como marqueteiros podem e devem aprender uns com os outros. Clamo aqui por um fórum comum de comunicação, onde possamos debater e consensar como estes profissionais - e os demais comunicadores, nossos valiosos RPs, por exemplo - deveriam atuar a fim de promover o urgente entendimento da sustentabilidade na sociedade.

Todos sabemos que o tempo está curto. Seja por um desastre natural antes impensável que bate à nossa porta, seja por uma crise financeira mundial sem precedentes, sabemos que o tempo urge. Precisamos encarar os temas de sustentabilidade de forma muito correta, profunda. Os profissionais de comunicação têm um papel fundamental nesta agenda. Somos nós que ajudamos a amplificar, formar opiniões, convencer. O poder da comunicação, assim como todo poder, pode ser para o bem ou para o mal (guardadas aqui as devidas proporções do que é “mal”). Em termos de sustentabilidade, não há mais espaço para um poder que não construa. Um poder que não use cada oportunidade de aproximação com seu leitor, ouvinte, telespectador para conscientizar sobre de que mundo, afinal, estamos falando e precisamos (re)construir.

Clamo aqui por algo que pode soar até pueril. Clamo por um olhar maior sobre nossas atividades. É possível, e necessário, usar todos os recursos de jornalismo, marketing e relações públicas em prol - de novo - do mundo que precisamos construir. Um mundo mais sustentável, mais justo, mais humano. Não tenho a mínima dúvida de que as empresas e consumidores ao redor do mundo estão cada vez mais sensíveis e desejosos disso. Não podemos mais fugir a este desafio. Ele pede, no entanto, que abramos mão de fórmulas conhecidas e bem sucedidas. Correndo o risco, inclusive, de fracassar algumas vezes.

Mas, o que é a vida se não corrermos riscos...?

(*) Sonia Consiglio Favaretto é Colunista de Plurale, colaborando com um artigo por mês. É jornalista e pós-graduada em Comunicação Empresarial. Superintendente de Sustentabilidade do Itaú Unibanco, é também Diretora Setorial de responsabilidade Social e Sustentabilidade da Febraban - Federação Brasileira de Bancos.

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