Como avaliar a sustentabilidade

A sustentabilidade só poderá ser avaliada se o desempenho econômico e a qualidade de vida também puderem ser medidos com novas ferramentas, que nada têm a ver com os atuais PIB e IDH. Esse é o principal resultado de um elusivo debate que já tem quase quarenta anos, desencadeado em 1972 por um trabalho que continua amplamente visto como "seminal": o capítulo "Is growth obsolete?" de William D. Nordhaus e James Tobin, no quinto volume da série Economic Research: Retrospect and Prospect, do National Bureau of Economic Research (NBER).


Como diz o título, o foco não estava propriamente em indicadores, e sim na discussão sobre uma eventual obsolescência do crescimento econômico. E a argumentação se ancorou na teoria econômica canônica para refutar esse tipo de contestação, que se intensificara nos anos 1960. Mas a principal resultado foi a tese de que o progresso indicado pelas medidas resultantes da contabilidade nacional convencional (como PNB ou PIB) não se altera ao ser substituído por uma medida efetivamente orientada para o bem-estar.

Para tanto, introduziram uma série de correções no método de cálculo do produto (nacional ou apenas interno), de maneira a - por um lado - retirar componentes que não contribuem para o bem-estar. E - por outro - acrescentar alguns dos que o fazem, mesmo que não entrem no cálculo convencional por não fazerem parte da produção. Chegaram assim à construção de uma "Medida de Bem-estar Econômico", ou MEW na sigla em inglês.

O primeiro passo dessas complicadas correções foi evidentemente se voltar ao produto líquido, em vez do bruto, considerando algumas das imprescindíveis depreciações. Logo depois foi introduzida a ideia de um nível de consumo per capita que não excede a tendência de aumento da produtividade do trabalho, chamado pelos autores de "sustentável". Para eles, se o consumo per capita exceder esse nível dito, significa que ele está avançando sobre parte dos frutos do progresso futuro.

Na conclusão comparam os resultados obtidos com a medida de bem-estar econômico (MEW) aos dados do produto líquido, em vez de compará-los ao PNB ou ao PIB, o que teria sido bem mais coerente com o objetivo do trabalho. Se não tivessem usado tal subterfúgio, certamente teriam obtido conclusão inversa. E o pior é que hoje chega a ser difícil acreditar que a dupla não tenha incluído estimativas de qualquer dano ambiental ou depleção de recursos naturais nos cálculos do que chamaram de "MEW-S": Medida de Bem-estar Econômico Sustentável.

Foi somente dezessete anos depois que surgiu o "Índice de Bem-estar Econômico Sustentável" (ISEW na sigla em inglês), graças à importante contribuição do economista ecológico Herman E. Daly, em livro que resultou de parceria com John B. Cobb Jr.: "For the Common Good" (1989). Teve enorme repercussão, pois foi depois calculado em ao menos 11 outros países: Canadá, Alemanha, Reino Unido, Escócia, Áustria, Holanda, Suécia, Chile, Itália, Austrália e Tailândia. E em 2004 se transformou no Indicador de Progresso Genuíno (GPI na sigla em inglês), criado pela ONG americana Redefining Progress (http://www.rprogress.org).

O grande problema da abordagem ISEW - e que até piorou no GPI - é que a precificação de danos ambientais, de ganhos de lazer e de trabalho doméstico ou voluntário, por exemplo, é altamente especulativa. Por mais que economistas convencionais e alguns ecológicos venham a aperfeiçoar seus métodos de valoração, os resultados jamais serão persuasivos. Sempre será um exercício arbitrário atribuir grandezas monetárias a prejuízos ou ganhos que não têm preços determinados por mercados.

Na falta de alternativa, é claro que um juiz deve preferir que o valor de uma indenização seja calculado por algum desses métodos. Mas coisa muito diferente é pretender que o mesmo será aceito pela sociedade quando se trata de atribuir grandezas monetárias a danos causados por poluições, ao trabalho de pais e mães na criação de seus filhos, ou aos cuidados familiares com os mais idosos.

Além disso, correções e extensões do PIB até poderiam levar a um indicador que servisse para chamar a atenção sobre a evolução divergente entre o desempenho de uma economia nacional e o bem-estar econômico que ela foi capaz de gerar. Mas isso tem muito pouco a ver com a ideia de sustentabilidade, que, por sua vez, se refere necessariamente ao futuro. Mostrar que a taxa de aumento do bem-estar econômico é inferior à taxa de aumento do PNB ou do PIB nada diz a respeito da possibilidade de que ambos sejam ou não sustentáveis.

Tudo isso provavelmente mudará com a assimilação das mensagens e recomendações que estão no Report by the Commission on the Measurement of Economic Performance and Social Progress (www.stiglitz-sen-fitoussi.fr). A primeira grande contribuição dessa Comissão já foi a de mostrar com muita clareza que existem três problemas bem diferentes, que não deveriam ter sido misturados nem isolados, como ocorreu ao longo desses quase 40 anos de debate. Uma coisa é medir desempenho econômico, outra é medir qualidade de vida e uma terceira é medir a sustentabilidade ambiental do processo.

Para essas três questões o relatório deu orientações muito mais radicais do que supunha a maioria dos observadores: 1) O PIB (ou PNB) deve ser inteiramente substituído por uma medida bem ajustada de renda domiciliar disponível, e não de produto; 2) A qualidade de vida só pode ser medida por um índice composto sofisticado, que incorpore inclusive recentes descobertas desse novo ramo que é a economia da felicidade; 3) A sustentabilidade ambiental exige um pequeno grupo de indicadores físicos, e não de malabarismos que artificialmente tentam precificar coisas que não são mercadorias.

Em suma: o relatório propõe a superação da contabilidade produtivista, a abertura do leque da qualidade de vida, e todo o pragmatismo possível com a sustentabilidade ambiental.

Fonte: José Eli da Veiga - Valor Econômico

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