Clima indefinido

Acordo pífio obtido em Copenhague lança dúvida sobre sistema da ONU para enfrentar o aquecimento global

COPENHAGUE 2009, a reunião de cúpula que deveria equacionar como a comunidade de nações enfrentará a mudança do clima, encerrou-se com um acordo político que não merece tal nome. A assembleia de 192 países só "tomou nota" do documento final negociado por EUA, China, Índia, Brasil e África do Sul, sem aprová-lo por consenso, como de praxe nas reuniões da ONU.

Havia dois pontos cruciais por decidir. O primeiro eram metas de cortes em emissões de gases do efeito estufa. O outro, financiamento e tecnologia para países pobres e emergentes se prepararem para enfrentar o aquecimento global.

Não se observou progresso significativo em nenhuma das questões. O choque de interesses dos EUA e da China, que juntos lançam na atmosfera cerca de 40% dos gases do aquecimento, paralisou as negociações.

No que respeita a emissões, o máximo que se conseguiu foi reiterar o já acordado: impedir que o aumento da temperatura média mundial ultrapasse 2C neste século. Não se chegou, contudo, a uma meta comum de esforço em favor do clima. Nas sucessivas versões do acordo, anteontem, ainda aparecia o objetivo de reduzir emissões em 50% até 2050, mas a cláusula não sobreviveu. Só consta do documento uma relação de compromissos nacionais previamente divulgados, que segundo estimativas conduziriam a um aquecimento de 3C até 2100.

Nas finanças houve ligeiro avanço. Os países desenvolvidos concordaram com um fundo para apoiar ações sobre o clima que alcançaria US$ 100 bilhões em 2020. Não explicitaram detalhes sobre as fontes do dinheiro. Até nações emergentes como o Brasil concordaram em contribuir para o fundo. O valor considerado, porém, é dado como insuficiente para fazer frente à magnitude do aquecimento em vista.

Na prática, Copenhague escapou por pouco de um colapso total do sistema da ONU para tratar da mudança do clima. Desapareceu do acordo final até a determinação de que um tratado de verdade deveria ficar pronto em um ano. Isso não significa, porém, que esteja desencaminhado de vez o processo para coordenar as ações de cada nação da Terra para prevenir um aquecimento mais ameaçador.

Copenhague assinala, ainda, alguns desenvolvimentos positivos, como a volta dos EUA às tratativas. Já se sabia que Barack Obama chegaria de mãos atadas pelo Congresso de seu país, mas não que se lançaria em um confronto aberto com a China -que também se mostrou pouco flexível em abrir brechas à soberania para aceitar um monitoramento internacional de emissões.
Outra novidade importante foi a perda relativa de importância da União Europeia na negociação, e o crescimento paralelo de um grupo -Índia, Brasil e África do Sul- em situação de tentar intermediar um compromisso entre as potências poluidoras EUA e China.

Se o trio não teve sucesso desta feita, ao menos se credenciou para buscá-lo nas próximas rodadas. Caso o fracasso se repita, será preciso abandonar por completo o foro do clima na ONU e reiniciar tudo do ponto zero. O planeta só perde por esperar.

Folha de São Paulo, 20 de dezembro de 2009, p. A2 - Editorial

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