Cana e gado dizimam 80% da mata ciliar na região

A criação de gado e a expansão da cana-de-açúcar dizimaram as matas que margeiam os rios da região de Rio Preto. No total, 80% da vegetação ciliar, ou 29,1 mil hectares, o equivalente a 35,3 mil campos de futebol como o Teixeirão, foi devastado na bacia do Turvo/Grande, de acordo com a Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais (CBRN), ligada à Secretaria de Estado do Meio Ambiente.

O desmatamento tem implicação direta na água dos rios. “Destruir a mata é o principal problema que o rio pode enfrentar. Sem a cobertura vegetal, o risco de erosão e assoramento é muito grande, o que compromete a vida do próprio rio e a qualidade da água”, afirma Alcides Lopes Leão, professor do departamento de ciências ambientais da Unesp de Rio Claro.

De acordo com a Polícia Ambiental, os maiores responsáveis pela destruição da mata ciliar na região são as plantações de cana e a pecuária. Acompanhada de policiais ambientais, a reportagem do Diário percorreu de barco cerca de 50 quilômetros no rio Grande, de Icém a Paulo de Faria. Em pelo menos dois trechos, no lado mineiro, a cana chega à margem do curso d’água, no local que antes era ocupado por mata nativa.

Uma situação comum, de acordo com Thiago Lacerda Nobre, procurador do Ministério Público Federal (MPF) de Jales. “Por satélite, foi possível constatar cana rodeada por mata ciliar no Grande, uma estratégia para ludibriar a fiscalização, já que não é possível visualizar o estrago a partir da margem do rio.” No trecho percorrido, também foi possível constatar tanto na margem mineira quanto na paulista pelo menos 200 cabeças de gado em áreas de preservação permanente (APP) - 100 metros em cada margem, no caso do Grande. “O gado pisoteia a vegetação rasteira da APP, destruindo em poucos dias todo o ecossistema. Sem a mata, a água da chuva carrega todas as impurezas diretamente para o rio”, diz o tenente da Polícia Ambiental Alessandro Daleck Moreira.

É o que tem ocorrido em Santa Fé do Sul, de acordo com o procurador do MPF. “Com a mata destruída, o fosfato usado como agrotóxico na cana chega até o rio e serve de alimento para o alecrim, que cresce desordenadamente no fundo do rio, prejudicando o ecossistema”, diz Nobre.

Há sete anos a Polícia Ambiental iniciou levantamento de todas as propriedades às margens dos rios na região. Já foram mapeadas as margens do rio Preto e Piedade, em Rio Preto, do São Domingos em Santa Adélia e a margem do Turvo no município de Onda Verde. Os policiais encontraram até chiqueiro de porcos e depósito de lixo na beira d’água. No rio Preto e seus afluentes, 28 hectares de APP foram desmatados. “Hoje, a principal preocupação na bacia é a carência de mata ciliar”, diz o secretário-executivo do Comitê da Bacia Hidrográfica do Turvo/Grande, Hélio César Suleiman.

Areia

A pecuária e a indústria canavieira não são os únicos vilões das matas que protegem os rios. A atividade industrial e até o turismo, com os ranchos, embora destruam menor quantidade de vegetação, interferem diretamente na qualidade das áreas de preservação permanente. A região tem cerca de 50 portos de extração de areia licenciados. Mas, como a fiscalização muitas vezes é deficiente, pipocam empreendimentos clandestinos sem nenhuma preocupação ambiental.

O Diário flagrou dois portos na margem mineira do rio Grande em áreas de lagoas marginais, chamadas varjões. “Essas áreas atraem alevinos, importantes na cadeia alimentar aquática”, disse o tenente Daleck. Além disso, o material retirado do leito do Grande é depositado na margem, e parte é levado pela água, assoreando o rio.

Lazer

Debruçados sobre o rio Grande, em Icém e Fronteira (MG), pipocam os ranchos construídos onde antes havia mata ciliar preservada. “As casas invadem a área de vegetação e muitas despejam o esgoto diretamente no rio”, diz o procurador Nobre. Nos últimos cinco anos, o MPF ajuizou ações civis públicas pedindo a demolição de cerca de 800 ranchos nas margens dos rios Grande e Paraná. Trinta deles já foram demolidos por ordem judicial.

Pecuária admite invasão em área de preservação

O diretor da cadeia de agronegócios da Associação Comercial e Empresarial de Rio Preto (Acirp), Álvaro Estrela, admite a invasão de gado em áreas de preservação permanente na região. “Infelizmente ainda se encontram animais em áreas de mata ciliar. O gado precisa de água, por isso precisa chegar ao açude. Mas o correto seria fazer um corredor cercado de acesso à água, o que ainda é pontual nas propriedades”, disse.

Mesmo assim, segundo Estrela, o setor tem se conscientizado sobre o impacto ambiental do gado em APP. “A Polícia Ambiental tem feito muitas autuações, e as multas são altas. Até por receio, o pecuarista acaba regularizando sua propriedade, cercando a área de mata ciliar.” O Noroeste Paulista tem 2,09 milhões de cabeças de gado, de acordo com a Coordenadoria de Defesa Agropecuária.

Com relação aos portos de areia no rio Grande em Minas Gerais, a assessoria da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam) informou que em 2008 seis pessoas foram presas por extração ilegal de areia no rio, em Frutal, durante operação da Feam, Instituto Estadual de Florestas (IEF) e Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam). No total, oito empreendimentos foram embargados, e foram aplicadas multas que totalizam R$ 100 mil. Desde então, nenhuma fiscalização foi realizada, e a Feam disse desconhecer atividade extrativa no Grande.

O proprietário de um dos portos irregulares em Frutal desapareceu ao notar a aproximação da reportagem pelo rio. O outro, identificado apenas como Armando, não estava no local e não foi localizado. A assessoria da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica) não quis comentar o assunto. O Instituto de Economia Agrícola aponta 239.396 hectares de cana plantada na região em 2008, último ano disponível.

Rancheiro teme demolição

O aposentado Francisco Natalino Pignanelli, 83 anos, mora há cerca de 50 anos em um rancho às margens do rio Grande, em Fronteira, Minas Gerais. Quando comprou a casa onde vive hoje com a esposa, Lúcia Cáceres Rodrigues Pignanelli, 53 anos, não havia leis que regulamentavam áreas de preservação permanente (APP). Por isso, ele afirma ter se assustado quando recebeu uma intimação judicial que ameaça destruir o lugar onde ele vive.

“Recebemos um papel nos informando que estamos em uma área de preservação e tudo o que estava construído em um espaço de 100 metros a partir do leito do rio precisa ser destruído para ser reflorestado”, diz Lúcia. “Ficamos desesperados, pois moramos há muito tempo aqui.” O casal entrou com um pedido de defesa na Justiça, que ainda não foi avaliado.

“Não vou entregar minha casa para ninguém. Se preciso, eu a destruo sozinho”, diz o aposentado. A residência fica a cerca de 80 metros do rio Grande. A construção está separada do leito por uma rua e um pequeno quintal, que pertence ao casal. “Plantamos árvores em todo o trecho que está ao nosso alcance. Também queremos manter a área preservada.”

A demolição dos ranchos preocupa os demais moradores do bairro. “Viver aqui é a única alegria que eu tenho”, diz o pescador Armando Pereira da Silva. Há 30 anos, ele dormia na rua, embaixo das árvores. Ficou conhecido no bairro e ganhou uma casa de três cômodos dos vizinhos. “Para mim isso não é um ranchinho, é um palácio. Se tiver que destruir a construção, vou pedir lona emprestada e construir um barraco aqui.”

O comerciante Mário Lopes Molon Filho, 57 anos, afirma que há 50 anos, quando o bairro começou a ser formado, a exigência para levantar as construções era estar a 30 metros do rio. “Respeitamos essa diretriz quando construímos, então não é justo exigirem uma mudança agora.”

Esgoto

Além das construções irregulares, a intimação exigia que o casal e os demais moradores do Parque Florianópolis deixassem de jogar esgoto no rio. Eles fizeram uma reunião para tentar entrar em acordo com a Prefeitura. “Pago R$ 900 de imposto porque o bairro é considerado área urbana. Então é obrigação da prefeitura coletar o esgoto aqui.”

Garimpo resiste a blitze

A atividade garimpeira resiste há mais de uma década no rio Grande. Apesar de sucessivas operações da Polícia Ambiental contra as balsas - foram pelo menos seis nos últimos cinco anos -, o negócio permanece. “Apreendemos as balsas, retiramos os motores e autuamos o garimpeiro. Mas poucas semanas depois o mesmo grupo constrói novas embarcações e retoma a atividade”, diz o tenente Alessandro Daleck Moreira.

Um mês depois de operação que apreendeu 15 dragas e autuou 40 garimpeiros na represa de Água Vermelha, em Paulo de Faria, a reportagem do Diário constatou três balsas prontas para operar. Além de extrair diamantes sem autorização da União, o garimpo destrói o ecossistema aquático.

De acordo com o zoólogo da Unesp de Rio Preto Dino Vizotto, ao mergulhar e sugar o cascalho do fundo do rio, o garimpeiro destrói a flora do leito do rio. “É um processo longo e interligado. O pequeno organismo que é levantado (no processo de sucção), por exemplo, afeta outros organismos maiores, como os peixes”, diz.

O cascalho retirado do fundo do rio é lavado e despejado de volta na água. Como a terra é jogada por vários dias no mesmo ponto do rio, forma morros no curso d’água, visíveis em períodos de estiagem no Grande em Guaraci, onde se concentrou a maior parte da atividade garimpeira até 2008.

A área de Água Vermelha, onde é feita a extração atualmente, pertence a Antônio Marques da Silva, o Marquinhos, ex-presidente da Coopergrande (Cooperativa dos Garimpeiros do Baixo Vale do rio Grande). Segundo o MPF e a Polícia Federal, ele é o principal fornecedor de diamantes para uma rede internacional de tráfico de pedras preciosas. Investigação de dois anos da PF revelou que diamantes extraídos ilegalmente pelo empresário eram enviados para países da América do Sul, Europa e Ásia.

por Allan de Abreu e Michelle Berti no Daiárioweb (www.diarioweb.com.br) dia 11 de abril de 2010.

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